terça-feira, 1 de novembro de 2011

Estudo de Cena sobre Glauco Mattoso.


Um cego (Glauco Mattoso) quase nu usa uma bengala e anda por um espaço composto por sapatos, tênis, sandálias, chinelos, coturnos e outros tipos de calçados... Próximo a ele existem algumas garrafas de bebida. Em alguma parte desse espaço, uma figura masculina permanece sentada em uma cadeira e carrega consigo certo ar de deboche e “dominação”.

Glauco Mattoso:
Aceita beber alguma coisa, rapaz?

Homem:
Pode ser... Que cachaça você tem ai?

Glauco:
Humm... Machinho, hem? Eu gosto... hehe. Tenho essa aqui: Xibungo de Minas
 (Vai até a cachaça e a serve em algum dos calçados, entrega para o homem... ele bebe)

Glauco:
Já bebeu?

Homem:
Já.

Glauco:
Quem bom... Então vem cá menino... Vem cá... (começa a andar na direção do homem e, esse começa a brincar de se esconder, os dois estabelecem esse jogo, de “vai e vem”) Cadê você rapaz? Hehe está se escondendo?  Quer brincar com um velho cego? Hehe olha que eu conheço esse lugar tão bem quanto eu conheço a escuridão.

 (o homem continua a se esconder, às vezes, soprando o ouvido de Glauco, o cutucando... até que Glauco encosta nele com a bengala e consegue se aproximar, o homem fica contra a parede, e Glauco vai chegando, chegando, chegando e chegando mais perto até, aos poucos, encostar-se nele e devagarzinho descer até seus pés)

Glauco:

Machismo é futebol e amor aos pés
São machos adorando pés de macho,
e nesse mundo mágico me acho
em meio aos fãs de algum camisa dez.
Invejo os massagistas dos Pelés
nos lúdicos momentos de relaxo,
servindo-lhes de chanca e de capacho,
levando a língua ali, do chão no rés.
É lógico que um cego como eu
não pode convocar o titular
dum time brasileiro ou europeu.
Contento-me em chupar o polegar
do pé de quem ainda não venceu
sequer a mais local preliminar.

(Glauco cessa o acalanto que fazia nos pés do Homem)


Glauco:

Gostou? (o homem vai responder, mas Glauco o corta subitamente) Não... Não precisa nem responder, sempre que eu pergunto para as pessoas se elas gostaram, as danadas se esquecem que estão diante de um cego e enchem se de formalidades para com os meus sonetos, afinal de contas, eu não posso ver a expressão no rosto delas... Mas ninguém sabe que isso não importa muito para mim...  No caso desse poema, a coisa é muito simples, se a pessoa gostou, ótimo! Fico Feliz... Sinto que existem outros no mundo como eu! E se não gostou... tsc tsc, caia entre nós... Essa pessoa não deve nunca ter assistido uma boa partido de futebol.
( O homem se afasta um pouco assustado, mas sem perder o ar de dominador e de deboche)

Glauco:
Não se assuste não garoto... Eu sou assim, meio errado, meio fodido... Aliás, Eu nasci fodido! E continuo devagarzinho me fodendo! Mas dessa vez eu gosto! Ahhhh eu gosto que me fodam... E que me fodam bem! Porque é muita sacanagem ser mau-fodido agora! Nasci com esse Glaucoma! Sou amante de pés, Viado, Sadomasô, Ex-hippie, ex-punk, Poeta marginal! E o pior de tudo... Bancário aposentado Por invalidez!
 Tudo que a ditadura militar mais gostava preso em um corpo!
(O homem continua se afastando)

Glauco:
Ô menino... Desculpe, fui muito grosseiro com você? Vem cá vem? Deixa eu te contar uma historinha para te acalmar? Vem... vá...
(O menino volta a ficar por perto, Glauco começa a contar a história e faz carinho no rapaz)

Glauco:
Uma vez... Saindo da universidade que eu cursava e andando pela Maria Antonia, eu vi uns meninos de uma universidade lá, meio inimiga da minha! Era o dia do trote deles. Um trote muito peculiar inclusive! Mandavam que todos os bichos lambessem seus sapatos... Eu achei aquilo incrível! Voltei para a casa, cortei a camiseta, raspei a cabeça e no dia seguinte eu estava lá! Lambendo os sapatos daqueles machos bem-nascidos. Aquela foi uma das experiências mais incríveis da minha vida. E sabe por quê? Porque eles achavam que estavam ganhando, mas na verdade, eu! Eu é que estava ganhando!  Eu é que queria perder.
(O homem vai se entregando de pouquinho e pouquinho para o carinho de Glauco, os dois se beijam e se encostam... Glauco levanta, se vira em direção a platéia)

Glauco:
Perguntei ao cego, o que você é?  Ele disse, sou um prego no escuro... se bater em mim, eu furo.

Fim da cena.

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